sexta-feira, 15 de junho de 2018

Paixões, Futebol e Forró





CAPÍTULO 2.5
Essa de Aline não querer dançar pegou todas as meninas de surpresa. Num foi? Quero ver o que elas vão fazer agora, isso porque muitas são influenciadas pelas coisas que ela faz. Acho que não devia ser assim, cada uma devia fazer o que lhe convém, mas vai entender a cabeça de um adolescente. De certo que a quadrilha não será a mesma com Aline, mas as outras podiam se esforçar. Talvez. Ou não. É complicado. O fato é que Fred voltou meio triste após a conversa com ela, decidiu pedir ajuda a Clodoaldo para convencê-la, sabia que as palavras da dita estavam certas sobre a decadência da quadrilha junina. O baque seria grande se não fizesse alguma coisa, o número mínimo de componentes que a Prefeitura exigia para liberar os recursos já estava no limite no ano passado, quase que não conseguia atingir a quantidade necessária para angariar os custos e pagar as despesas. Se Aline sai leva metade das meninas e junto uma boa parcela dos meninos que não vão ficar contentes com a escarces da figura feminina.
Talvez Clodoaldo resolva esse problema, ele é o coreógrafo da quadrilha e sempre quis mudar o estilo dos passes, mas Fred nunca o deixava desviar um pé para o lado que não estivesse de acordo com a tradição do folclore junino de tempos atrás. Besteira dele, pois algumas quadrilhas de João Pessoa já estavam fazendo. São poucas, claro, mas pelo menos estavam começando a se movimentar, ou se renovar, como o próprio Clodoaldo argumenta. O Clodô, como gosta de ser chamado, tem uns trinta anos e sabe dançar todo tipo de música que existe no mundo, até hoje nunca deixou a desejar quando alguém pede para dançar algum estilo de música.
Agora os meninos. Ah! Os meninos. Conseguiram um feito difícil, vencer a equipe do Malvinas em sua própria casa e numa final não é para qualquer um. Tenho certeza que esse título vai render muito. Ô se vai. Eles nem imaginavam que Diego daria todo esse apoio ao time, ainda mais que não gosta muito de futebol. Diê, como gosta de ser chamado, chegou no finalzinho do segundo tempo e encostou sua pampa na beirada do campo, soube do que acontecia quando Vicente, um dos seus puxa-sacos, que por sinal era reserva do 13 de Maio, contou tudo. E o rapazinho filho dos pais mais ricos do bairro, quer dizer, um dos, sempre admirou a amizade de Henrique, Adriano e Garrincha. Foi por isso que resolveu dar a festinha em comemoração ao título. De certo que foi de ultima hora, mas Diego tem influência e bastou algumas ligações para a notícia se espalhar como ventania pelos quatro cantos daquele setor.
Sua casa, além de bonita, é muito moderna ao comparar-se com as arquiteturas presentes no início da década de noventa. Gosto muito da sua sala de jantar, tem um barzinho com várias garrafas de whisky, vinho e outras bebidas bastante exóticas. A sala de visitas que também é grande une-se com a de estar e dela dar para ver o largo terraço em ele juntamente com a garagem para dois carros lado a lado. A cozinha nem se fala, linda dos olhos brilharem, ao lado da casa um pomar maravilhoso e várias fruteiras, tanto altas como médias. Goiabeira, mangueira, limoeiro e etc.
A festa foi programada para a noite, que por sinal já está por acontecer. Então, amigos. Não vamos perder mais tempo, seguiremos imediatamente para lá.


Literatura Forrozeira

Paixões, Futebol e Forró


2 - ALINE DESCONTENTE

Aline

Descemos pela rua que fica perpendicular à principal que passa ônibus, numa ladeira bem íngreme, mais a frente vimos a lanchonete “Pastel do Pedro” onde gostamos de passar um longo tempo batendo papo e fazendo lanche. Tem esse nome porque no início ele só vendia pastel, mas depois incluiu outras coisas. O bom dali é que dá para ver o movimento da praça ao lado pelas grades de proteção, assistir aos jogos na quadra e beliscar alguns olhares másculos que por acaso nos vejam. Quando chegamos ao fim da ladeira que iniciamos a subida Helena virou o rosto para o lado, ela tinha essa mania de inclinar a cabeça em diagonal de lado para evitar que seus cabelos descansassem em seus olhos, mas dessa vez esse não tinha sido o motivo de ter feito isso.
-Não fala que ele passa direto. – Disse apontando com os olhos um menino que vinha em sentido contrário.
É Lorenzo que parou à minha frente olhando-me admirado como sempre fazia toda vez que me via. Baixo, de óculos, tem uma pele branca e seus cabelos são bem curtos e encaracolados. As meninas dizem que é a fim de mim, mas eu não concordo, ele é apenas um amigo de infância bem prestativo. Gosto dele, sempre faz tudo que eu peço e está por perto nas horas que eu preciso. Vive me dando presentes. Suas conversas são boas, gosto de conversar com ele.
-Os ensaios da quadrilha vão começar. Já escolheu o seu par? – perguntou-me ele.
-Ainda não.
-Eu estava pensando...
-Agente conversa amanhã, Lô. Marcamos com uma amiga e estamos atrasadas. – Interrompi. – Tchau.
-Tchau.
Continuamos nossa caminhada e quando estávamos próximas do Pastel do Pedro Helena falou:
-Você está consciente de que ele ia te chamar para ser seu par?
-Por isso que cortei na hora. Ficaria triste de dar um não a ele. É tão bonzinho comigo.
-Porque não disse que não iria participar esse ano? – Novamente Helena voltando a esse assunto, só que agora Simone arregalou os olhos para mim, vou ter que me explicar agora.
-Conversa é essa, mulher?!
-Não está nada decidido, dependendo do que Fred irá nos falar eu vou dizer se danço ou não.
-Ah! Nem acredito nisso. Vamos dançar, mulher. Faz isso não. Eu adoro a quadrilha.
-Sei disso, Mone, mas tenha calma. Esperemos.
Nessa hora paramos à frente da pastelaria escutando um barulho que veio do início da Avenida, logo no topo da subida e a que faz esquina tanto com o Pastel do Pedro quanto com a praça do Presidente Médici. Gritos e buzinas vieram aumentando sua tonalidade a cada segundo, olhamos de lado para perceber do que se tratava. Uma pampa azul carregava uns garotos vestidos com camisas de times e exibiam um troféu, duas motos e um tanto de bicicleta acompanhavam logo atrás. Gritos de “é campeão” se misturavam com a buzina da pampa e das duas motos.
-Garotos! – Exclamou Helena entortando a boca para o lado.
-Eu gosto de futebol. – Disse Simone acenando para um deles quando passavam por nós. – De assistir, é claro.
-Só você, Mone. - Indaguei observando o rapaz da moto dar uma arrancada e fazer sua moto soltar um estalo tão alto que meus ouvidos zumbiram. Pus a mão neles amaciando e olhando feio para o responsável pelo barulho.
-O que está segurando a taça está olhando para você, Mone. - Informou Helena.
-Tô vendo. - Anunciou a morena mordendo os lábios - Bonitinho.
-Vamos? - Interpelei - Ainda quero chegar na hora do almoço em casa.
Quando a comitiva dos alegres jogadores campeões sumiu na esquina atravessamos a Avenida seguindo rumo ao bairro do Cruzeiro. Dobramos uma rua perpendicular e encontramos a loja de material de construção na esquina com a Avenida larga do Cruzeiro. Avistei o dono da padaria do outro lado fechar as portas, já estava se aproximando do meio dia. Dobramos a direita e depois à esquerda para entrar na ruazinha estreita em que havia uma garagem com paredes de pedra na esquina. A casa dela era vizinha ao casarão com um muro também de pedra a que a garagem fazia parte. Lígia abriu a porta com três papéis pequenos na mão, eram coloridos e tinha a foto do seu avô à frente, olhei curiosa, mas não mencionei.
-Entrem. – Ela chamou do terraço. – Tenho uma surpresa pra vocês.
-Não vamos demorar. – Informei sentando-me em uma das cadeiras do terraço sempre de olho em suas mãos, estava curiosa.
-Calma amiga. Já viram o que tenho nas mãos?
-Estou querendo saber o que é. – Disse Helena que parece ter feito a mesma observação.
-Entradas para o aniversário do meu avô. Acabaram de ficar prontas e já separei três para vocês.
-Uau! Obrigada, mulher. – Exclamou Simone empolgada.
-Quem vai tocar? – Perguntou Helena pegando sua entrada das mãos de Lígia.
-Zé Calixto vai...
-Quê!?... Não, mulher! Pode pegar esse bilhete de volta. – Reclamou Helena devolvendo o pedaço de papel colorido nas mãos de Lígia - Tá louca! Forró de pé de serra. Dou por visto o tanto de velho que vai ter lá. As velhas com aquelas saionas arrastando no chão e os coroas com os cigarros boró que fede mais do que esterco.
-Calma, Helena. – Pedi a ela.
-Eu não vou. – Indagou a indignada.
-Ah. Vai ser interessante – Indagou Simone - Eu gosto de ver os coroas dançando. E pé de serra não é só pra velho.
-É não, esqueci que é pra matutos do sítio também. – Completou a loira chateada.
-Posso falar? – Perguntou Lígia.
-Continue. – Falei.
-Zé Calixto!... – Deu uma pausa olhando para Helena – Vai tocar no início da festa, umas oito horas e deve terminar lá pelas dez. Grafite vai até meia noite. – Ao falar isso Helena abriu a boca espantada - E o DJ Paulinho vai tomar de conta do restante da festa após a meia noite.
-Grafite! – Exclamou Simone enquanto Helena ainda estava de boca aberta, pegou a entrada de volta da mão de Lígia e falou:
-Essa vai ser ‘A Festa’! – Indagou Simone. Sorri dando uma olhada no bilhete.
-Agora vá pegar meu livro que já vamos embora.

Henrique

De chuteira nos pés e com a camisa amarrada na cabeça estilo Bel Marques do Chiclete com Banana subi na pampa de Diego e puxei Adriano para cima também, Garrincha já estava encostado na parte da frente com a taça acima da cabeça vibrando, Fábio subiu na garupa da moto de um dos jogadores reservas. Escorei-me ao lado do centroavante cujo entregava a taça para o Mudinho que estava numa moto ao lado da pampa, olhei para a tenda dos juízes e vi o carro da polícia. Acho que foi por isso que os caras do Malvinas não vieram procurar mais confusão conosco, sermos campeões em sua casa é motivo para um dia de confusão. Nunca ninguém teve sucesso com tal feito. Eles nos olhavam enraivecidos do outro lado do campo. Não demos a mínima, pulamos, vibramos, brincamos e gritamos. Estamos nem aí para o que eles estão pensando, só queremos curtir nossa façanha.
-E então? Podemos ir? – Perguntou Diego com um cigarro na boca.
-Taca fogo nessa pampa, véi! – Exclamou Fábio logo atrás. Garrincha pegou a taça de volta assim que Diego entrou na pampa arrancando rápido fazendo com que os pneus catassem e jogassem poeira pelo ar.
Diego sempre foi legal conosco. Não é bem da turma, mas de vez em quando curte umas festas com agente. Filho de pais separados, mora com sua mãe. Seu pai vive em Fortaleza cuidando da sua empresa. A casa que ele mora é bem bonita e grande, fica no finalzinho do bairro do Presidente Médici, já chegando ao bairro do Cruzeiro. As festas lá são boas, tem um terraço acoplado com a garagem com um piso bem liso e excelente para dançar, quando alguém arranja uma namorada vai se esconder no pomar ao lado. A sala é ampla e, de vez em quando, ele faz dela uma boate. Mas essas festas geralmente só acontecem quando sua mãe não está em casa, não que ele faz escondido, aliás, sempre diz a ela o que sempre faz. É que ela não liga e às vezes acho que até gosta, está sempre indo dormir no sítio da mãe, avó de Diego. Teve uma vez que encontramos ela saindo toda arrumada numa noite de sábado, Fábio deduziu logo que ela iria curtir a noitada, mas disse com um jeito desgostoso. Sei não, mas acho que ele é a fim dela. Jamais comentei nem mesmo com ele próprio, fico na minha para não causar polêmica até mesmo com Diego. Quarentona divorciada, cabelos pretos e grande, olhos escuros e corpo escultural. Parecidíssima com sua filha, irmã de Diego, uma gata.
Fabíola, a filha, nunca se entrosou conosco. Cumprimenta, conversa, mas sempre na dela. Quase não participa das festas do irmão, prefere sair com as amigas do bairro do Cruzeiro, uma de cabelos grisalhos e uma loira. Estão sempre por lá quando estamos juntos de Diego em sua casa, como hoje que seu irmão prometera uma festa em comemoração ao título. Era o nosso destino assim que saímos do campo em comitiva pela rua principal do bairro das Malvinas, descemos a ladeira que faz fronteira com o bairro do Cruzeiro e seguimos até o contorno do Santa Cruz, dobramos mais a frente na esquina de uma casa de shows e fomos em direção à nossa escola chamada Raul Córdula, dobramos no ponto final dos ônibus coletivo e pegamos a rua em que ficava a praça ao lado da pastelaria do Beto. A casa de Diego ficava no finalzinho dessa rua, logo à frente de um contorno triangular.
A euforia era grande, gritávamos e as buzinas não paravam de tocar, com isso todos que andavam pelas ruas onde passávamos paravam para olhar. Quando chegamos à altura da praça vi uma camisa do time no piso da pampa e me abaixei para pegá-la no intuito de sacudi-la no alto, quando agachei ouvi a arrancada da moto do meia reserva e um estalo bastante alto, cocei o ouvido após senti-lo zunir e quando subi já tínhamos passado da pastelaria. Garrincha olhava para trás enquanto abraçava a taça. Diego rodeou o contorno triangular dando uma rabiada parando bruscamente à frente de sua casa, com o solavanco batemos nossas barrigas na grade do automóvel.
-Hoje a festa não tem hora pra parar! – Indagou ele assim que saiu do carro.

Aline

O sol estava se pondo quando saí de casa entediada nessa tarde de domingo e fui sentar-me na calçada encontrando Helena escorada no portão da sua enorme residência, veio ao meu encontro com seu andar de passarela, desfilando pelo meio da rua. Mirtes, ao lado de Gorete, olhavam-na do outro lado com a boca entortando em desprezo ao que sempre achou ser um exibicionismo fútil. Eu sempre amei seu estilo de miss, seu jeito grandioso de ser, dona de si.
-LIINEÊ! – Gritou uma voz que reconheci mesmo sem vê-lo, havia dobrado a esquina se requebrando. – Eu nãão acredito no que acabei de ouvir, miga. Você não vai participar da quadrilha?!
Era Régis que falou essa ultima frase com as mãos nos quadris encarando-me. Já foram contar a ele, essas meninas não têm jeito mesmo. Sua magreza exposta na minha frente e com essa cara de brava, ou bravo, não contive e dei um sorriso curto enquanto o via balançar seus cabelos longos e amarrados como um rabo de cavalo. Ele adora a quadrilha junina e decerto estava desesperada com o fato de eu não querer dançar este ano, deve ter sido minha irmã quem avisou a ele. Daqui a pouco a quadrilha toda vai saber disso, agente não pode confiar em ninguém hoje em dia. Helena encosta ao meu lado olhando-o com curiosidade põe as mãos na cintura e pergunta:
-Quem já foi dedurar pra você?
-Um passarinho me contou. Pousou hoje cedo lá em casa. – Respondeu apontando o dedo da mão direita para minha amiga enquanto a mão esquerda descansava em sua cintura com a palma para baixo.
-Eu não disse que desisti de dançar. – Falei – Só quero conversar com Fred primeiro pra decidir.
-Mas por que, miga? Tu nunca deixou de dançar um ano se quer. Desde quando agente participa dessa quadrilha? Deixa ver...
-Desde os seis anos de idade. – Completei.
-Então, miga. Que foi que deu em tu? Acordou com uma coceira lá em baixo, foi? Eu sei do que tu precisa. – Trocou a mão da cintura mudando de lado e a esquerda foi para a ponta do lábio - De um namorado. Felipe, quem sabe.
-Deus a livre. – Exclamou Helena fechando os dedos entre si e abrindo num gesto de quem manda alguém ir embora – Aquele bombado bestalhão. Line num tá nem louca de namorar ele.
-Já falei pra vocês não ficarem induzindo namorados pra mim. Tenho raiva disso e se querem minha amizade que parem por aí.
-Ah. Ele é um homenzarrão. Ui! Se ele quisesse... – Indagou Regis olhando o infinito.
-Para de sonhar bixa louca. – Disse Helena sorrindo.
-Aff!... Quem sabe?
-Tu num toma jeito mesmo. – Falei.
-Mas não mudem de assunto. – Afirmou Regis – Fala, Line. Porque tu num vai mais dançar?
-Já falei que não está nada decidido. Vou perguntar a Fred se serão os mesmos passes de todos os anos. Se for eu estou fora.
-É bem verdade que essa coreografia já está rodada. Desde que me entendo de gente que sempre foi a mesma. – Disse ele. –Só acho difícil ele mudar. Eu queria que mudasse, mulher. Se tu conseguir eu tiro meu chapéu.
-Bom. Se for a mesma não danço.
-E leva metade das meninas contigo. – Indagou ele.
-Não nasci com elas. Se vão seguir minha opinião que arquem com suas culpas.
-E tu achas que vou ficar feita besta lá sem tu, mulher? – Perguntou Helena com olhar sério para mim.
-Nem eu. – Completou Regis.
-Tu?! Duvido.
-Oxe, mulher! Três donos de quadrilha me chamaram para dançar. A do Cruzeiro e a do Santa Cruz falaram comigo semana passada. Fabrício, como vocês sabem, vive me rodeando pra ir pra lá.
-Quer arranjar uma inimizade com Fred? – Perguntou Helena.
-Você sabe muito bem que a rivalidade entre os dois é grande. – Completei. – E tem Clodoaldo, vai ser uma decepção pra ele. Se mete a besta em ir pra lá que vão lhe expulsar da rua.
Fabrício é o dono da outra quadrilha do nosso bairro, seu pavilhão sempre é montado na sua rua que fica depois da ladeira, perpendicular ao início da rua principal, a rua da pastelaria de Pedro.
-Sou dono de minha própria vida, mores. – Falou pondo, agora, as duas mãos na cintura. – Então supomos que ele ponha passes novos. Com quem a senhorita irá dançar?... Felipe?
-Lá vem você com isso novamente. – Indaguei já querendo ter raiva.
-Só perguntei por que foi com ele que você dançou no ano passado. – Falou Regis com um olhar de esguelha - Já pensou que eu estava jogando o gato pra cima de você? Mulheer! Estou muito convencida de que tu tá precisando de um namorado.
-É o que eu sempre digo. – Falou Helena para meu desgosto. – Vive espantando todo tipo de pretendente.
-Deixa, miga. – Disse Regis olhando para a loira - Tenho certeza de que o dia pra ela arranjar um namorado, e sério, está bem próximo.
-Xii! Acho que não, Regis. – Completou Helena.
-Estou convicta. – Afirmou com eloquência, o Regis - A única coisa que não tenho certeza é do nome desse bofe. Se Chico, João, José ou...

Henrique

-Henriquee! – Gritou Fábio do terraço da casa de Diego. – Vamo logo, doido. As mina tão já chegando. Tu num quer encontra-las fedendo a suor, tenho certeza.
Saí de trás do balcão do bar na sala de jantar e fui encontra-lo juntamente com Adriano e Garrincha, Diego já tinha ido tomar banho e a casa que a pouco foi palco de uma comemoração masculina estava sendo preparada pela empregada para acomodar uma festa noturna. Dona Judith era de uma cidadezinha do sertão e morava num quartinho atrás da casa e sempre foi bastante prestativa, cuidou do menino Diego desde bebê e são quase como mãe e filho. Apesar da mãe ser muito boa para ele, Dona Judith é quem faz tudo que é relacionado ao menino que agora é um rapaz. Ficou acertado de irmos tomar um banho e vestir uma roupa melhor para a noitada de farra, Diego ligou para seus contatos e convenhamos, seus contatos são em sua maioria mulheres. Por isso que a empolgação dos meninos é grande e esse aperreio de Fábio denunciava isso.
Metade do time confirmou a vinda, apenas Cirilo que foi embora não era nem quatro da tarde reclamando que ia levar um esporro da esposa por ter perdido o domingo em família, que ficou sem saber do prolongamento da festa. Festa essa que foi repleta de cerveja e música até agora, apesar de não bebermos muito, sempre tem um ou outro que exagera. Dessa vez foi Gladson que ficou bêbado antes das três da tarde. Buba o levou para casa e não voltou, esse também seria desfalque a noite, sempre andam juntos. Garrincha abriu o portão e saímos no crepúsculo em busca de nossas casas.
-Vamos comprar o rum na volta, passamos na bodega de Seu Miguel. – Propus.
-Diego não vai gostar. Ele disse que não precisava comprar nada. – Avisou Garrincha.
-Henrique está certo. Já basta o cara ceder a casa e o som. – Ajudou-me Adriano.
-E que som! – Indagou Fábio. – Três em um com dois toca-fitas. Vocês viram os discos que ele tem?
-Beto Barbosa! – Falou Adriano – Caoma.
-Guns and roses, Scorpions e Bon Jovi. – Concluiu Fábio.

Aline

A noite de domingo veio com o mesmo tédio de outros dias. A ultima semana de férias inicia amanhã, ainda bem. Já não aguento mais esse marasmo sem ter nada para fazer nestas férias e a deste ano parece que foi pior, pois não teve uma festa se quer. Puxei meu diário para cima da minha cama e comecei a escrever coisas sem sentido, desenhar corações e pintar gravuras de um livro velho. Peguei uma revista de moda que eu havia comprado ano passado e comecei a folhear vendo as belas roupas das magras modelos que sorriam para mim, mas eu sorria era para os vestidos belos que tanto cobiçava. Muito caros! Fechei a revista e joguei-a na cômoda, uma foto cai debaixo da cama e me contorci toda para pegar com preguiça de levantar-me, metade de meu corpo estava em cima da cama e metade estava fora inclinando para alcançar a foto. A porta se abriu, tomei um susto, desequilibrei e caí. Era Mirtes, minha irmã que sorriu juntamente com Simone que encostava por detrás dela.
-Tá fazendo o quê? – Perguntou Mirtes.
-Não é da sua conta. - Olhei Simone de cabeça para baixo com a mão esticada segurando a foto por debaixo da cama – Entra Mone.
Esperei minha querida irmã sumir de vista e puxei a foto para o claro do quarto. Tive medo de ser algo em que ela não podia ver. Dei de ombros e joguei o retrato conosco, de uma quadrilha de três anos atrás, todas vestidas com saias estampadas, chapéus ornamentados e uma maquiagem de matuta, com pintinha e tudo. Simone puxou para si e sorriu contente. Isso para ela é uma maravilha, adora tudo que vem da quadrilha. No ano dessa foto ela havia sido eleita a rainha do milho e estava toda de  amarelo ouro parecendo uma espiga.
-Esse foi o ano em que fiquei com Noberto.
-E que também dançou com você, aliás, não lembro de algum ano em que você não namorou o garoto que dançou.
-Também não é assim, né.
Guardei a revista, a foto e o meu diário na gaveta da cômoda e sentei-me na cama para olhar a hora próxima do jantar. Virei para Simone e perguntei:
-Que te trazes aqui a essa hora? Gorejar o jantar, talvez, do jeito que você come tenho quase certeza.
-Vim só avisar que Fred está vindo aí para falar contigo.
-Mas num só era amanhã a noite?
-Tu sabe como ele é. Agoniado todo. – Falou Simone pegando meu batom rosa e se dirigindo ao espelho. – Pensei até que já estava aqui.
-Você veio ajuda-lo a me convencer a não desistir de dançar. Eu lhe conheço, Mone.
-Não é bem isso.
-Olhe lá se num combinaram antes de vir.
-Tudo bem. Ele me pediu isso quando viesse falar contigo... Ô, mulher! Pensa com bastante carinho no que vai dizer a Fred. Por favor, amiga. Sem você a quadrilha já era.
-A quadrilha já era faz tempo. – Falei - Ano passado quase que não completava os componentes. Diminui o número de participantes a cada ano.
Nessa hora a campainha toca.
-Chegou.
-LINEEE! É pra vocêê! – Gritou minha mãe da porta da sala.
Fred sentou-se numa das quatro cadeiras do terraço e olhou desconfiado para Simone que se sentou ao seu lado como que escolhendo o time que defenderia. Sentei-me de frente aos dois e esperei ele começar a falar. Estava de barba feita, não parecia aquele homem de quarenta anos de sempre, sua barriga se destacava das demais partes do seu corpo. Usava uma camisa de botões que estavam atacados até o penúltimo mostrando uma parte do peito queimado do sol. Trabalhava como pedreiro e acho que sua pele mostrava que nem sempre vivia debaixo de sombras, tanto o rosto como parte dos braços tinham uma tonalidade encarnada. Gosta tanto de quadrilha que às vezes penso ele deseja mais do que a própria esposa, Dona Candinha.
-Então você está pensando em não dançar quadrilha este ano? – Perguntou-me ele.
-Ainda não.
-Não entendi.
-Estou cansada de dançar sempre a mesma coreografia todo ano. Nada muda, nem um passe de lado agente não pode fazer. – Ele encarou-me meio que pensando no que falar e veio com uma desculpa nada convincente.
-É que é tradição, Aline. Todas as quadrilhas são assim e se mudarmos vamos deixar de ser uma quadrilha e ser um não sei o quê, talvez um grupo de dança ou coisa qualquer.
-Será que não é por isso que o povo está deixando de dançar como dançava antes. – Respondi.
-Nem tanto. – Falou ele.
-É? Então quantos componentes tinham há cinco anos?
-Num vem com essa não, Aline.
-Responda. Quantos?
-Cento e vinte. Trinta casais de cada lado. – Respondeu ele com a voz serena como que sendo desarmado pela minha argumentação.
-E ano passado? – Repliquei.
-Sessenta. – Respondeu Simone. – Quinze casais de cada lado, mas isso não tem importância pra mim. O que vale é a qualidade da quadrilha.
-Quanto mais gente melhor. – Indaguei – Fica mais bonito de ver.
-Você pode estar certa em parte. – Argumentou Fred – Hoje em dia o pessoal não está dando tanto valor a uma quadrilha quanto antes, mas isso tem que ser combatido com força de vontade dos componentes que participam. Não desista agora, esse ano eu tô com fé de que as coisas vão ser melhores.
-Igual todos os anos e sempre a mesma cena com poucos participantes e uma quadrilha mixuruca. – Falei olhando para o céu limpo lá fora.
-Se ano passado contigo já tinha pouco, sem você vai ser pior. Pense direitinho, Aline, por favor. – Suplicou ele.
-Não tem conversa, adiei essa decisão por dois longos anos e agora estou decidida. Vou aparecer sábado no primeiro ensaio para assistir, se os passes forem os mesmos pode esquecer minha participação.
-Vou pensar nisso. Amanhã vamos começar a montar o pavilhão, tenho ainda uma semana, mas já vou adiantando, não dá para mudar assim de uma hora pra outra.
-Eu sei, Fred. Mas pelo menos faça alguma mudança, nem que seja pouca. – Concluí.
Ele levantou-se e saiu fechando o portão para deixar Simone fitando-me com um olhar sereno. Ficamos em silêncio por um minuto, levantei-me chamando-a para irmos à cozinha, pois minha mãe já tinha posto a mesa do jantar. Sentei numa cadeira e ela na minha frente, Mirtes já tinha começado e mamãe pôs a sopa em meu prato e no de Simone. Vi uma grande quantidade de batatinha no dela, mamãe sabia que a morena gostava. Babona de minhas amigas, essa minha mãe.
-Isso quer dizer que vamos continuar? – Perguntou Simone olhando para mim antes de começar a degustar a refeição.
-Você tem esperanças dele mudar algo?
-Não. – respondeu ela triste voltando a encarar a sopa.
-Falam da quadrilha? – Perguntou Mirtes.
-Não é da sua conta. – Respondi.
-Fred vindo aqui em casa falar contigo. Sei não, mas ele dá muito valor a quem não merece. Não sei por que se preocupam tanto com o fato de você estar descontente com a quadrilha. Pra mim seria até melhor sem você dançando.
-Por quê? Meu brilho te ofusca? – Perguntei com um sorriso irônico vendo-a afastar o prato vazio e levantar-se, Simone abafou uma risada com uma colherada bem cheia pondo-a na boca.
-Este ano eu serei a noiva. – Disse minha irmã toda altiva. – Já existe até um grupinho entre os meninos pra buscar votos pra mim.
-Coitada. Se tá dizendo isso pra me atingir perdeu seu tempo. Não tenho pretensões pra esse cargo.
Ela deu uma rabissaca e sumiu pelo corredor da casa deixando nós duas a concluir a sopa, que por sinal estava deliciosa, minha mãe sabe cozinhar bem. Simone terminou seu prato, olhou para mim e falou:
-Tu sabe que ela diz isso por que a maior parte dos membros da quadrilha te quer como noiva.
-Infelizmente. Daí tu tira a ideia de que eu já não quero dançar... e ser a noiva então!
-Mirtes deseja esse cargo já faz muitos anos.
-Por mim ela pode ficar com ele. – Falei empurrando meu prato para o centro da mesa. – Fred devia não fazer eleição este ano, era só entregar esse posto a ela e pronto.
-É. Vamos lá pra fora ver se tem algo pra fazer.
Costumamos nos reunir sempre na calçada da minha casa, a rua onde moramos é bem agitada, toda noite têm muita gente nas calçadas conversando ou falando da vida alheia. Essa segunda opção é mais provável. Helena mora no casarão quase de frente a minha, Simone mais para cima, Gorete lá no início e Karen a duas casas da minha. Karen é uma morena afro bem séria e de cabelos sempre amarrados, uma altura que não passava do ombro de Helena. Estava sentada numa cadeira na frente do portão da sua casa, acenou para nós e continuou lendo um livro o que, aliás, é o que mais gosta de fazer. Algumas crianças corriam pelo entorno da extensa rua, homens e mulheres conferenciavam, para variar, nas diversas calçadas ao longo dela. Sentei-me no chão de pedra escorando as costas no muro de cerâmica, Simone fez o mesmo e Helena abriu o portão do outro lado vindo juntar-se a nós.
-Sentiu nosso cheiro? – Perguntei.
-Estava olhando pela brecha do portão. Aff! Não consigo ficar nesta rua sem nenhuma de vocês.
-Lá vem a exibida. – Informou Simone apontando a esquina com a cabeça.
Ela estava falando de Fabrícia, que apareceu na rua com seu rebolado extravagante. Parda, algumas poucas sardas no rosto, olhos grandes, cabelos encaracolados e sempre molhados. Tem um corpo de dar inveja e se veste bem, hoje vinha usando uma calça jeans apertada na cintura e uma blusa de malha delineando seus seios. A barriga a mostra, bem exibida como Simone disse, mas se a morena tivesse essa barriga acredito que também iria sair exibindo-a por aí. Encostou ao lado de Helena cuja estava em pé com a mão na cintura e perguntou para mim:
-Você ainda tem aquela tiara de cristal verde, amor? – Só não gosto desse “amor” que ela fala para todos.
-Tenho... amor. – Falei ironizando seu bordão e ela sorriu. – Vai a alguma festa?
-Você é engraçada, amor. Vou, sim. Diego me chamou para uma comemoração de ultima hora na casa dele. Parece que é de um time de futebol que venceu algo.
-Aquele que vive se exibindo com um microsystem na praça? – Perguntou Helena.
-Sim, amor. Ele é um fofo. Sempre que faz algo lá me chama. – Respondeu Fabrícia com o braço esquerdo no peito apoiando o direito que gesticulava a cada frase dela. – Tenho um vestido verde que combina perfeitamente com tua tiara, Aline.
-Certo, amor. Vou buscar. – Falei vendo-a sorrir novamente.
-Ela é bem engraçada.
Não gosto de emprestar minhas coisas, mas sei que Fabrícia tem o maior cuidado com tudo. Fico mais a vontade de emprestar algo a ela do que a Simone, essa ultima é muito desleixada e se não fosse tão minha amiga não emprestaria. Abri a gaveta da minha cômoda e peguei a linda tiara com detalhes de cristal verde, ganhei da minha tia.
-É lindo, não é. – Falou Fabrícia ao segurá-la com todo cuidado. – Pode deixar, amor, que eu vou cuidar dela como se fosse meu.
-Sei disso. – Falei voltando a sentar-me. – Sei tanto que são poucas as pessoas que empresto ele.
-Ah. Amor. Obrigada. – Olhou para cada uma de nós e concluiu. – Tchau amores. – Virou nos calcanhares e seguiu de volta rumo a esquina.
-Às vezes eu penso qual das duas gosta mais de festa. – Argumentou Helena. – Se Brícia ou Mone.
Sorri olhando Simone fazer cara feia para ela sem ter argumento para se defender. Na minha opinião a morena Mone é mais festeira do que a parda Brícia. Fabrícia é mais de se exibir, gosta de mostrar os belos ou ricos namorados que arruma. Já Simone é muito de dançar e namorar. Eu mesma não sei onde elas arrumam tanta disposição para essas coisas, prefiro algo mais tranquilo, ou um namoro mais sério. Helena tem a mesma opinião que a minha e acho que isso nos faz ficar mais ligadas uma na outra.



Fim do capítulo 02
Literatura Forrozeira

Paixões, Futebol e Forró



1 - UMA FINAL AGITADA

Henrique
           
            -Passa a bola, Henrique!
Disse Garrincha passando ao meu lado. Não contei conversa, de três dedos, meti a pelota por entre os zagueiros para o mesmo matar no peito e encher o pé no canto direito do goleiro do Malvinas Futebol Clube. Um a zero. Saímos na frente nessa final do campeonato do Bairro das Malvinas. Nosso centroavante veio ao meu encontro agradecer o passe, mas eu corri mostrando a lateral do campo dizendo:
-As garotas! As garotas! Vamos comemorar com elas.
-Lá vem ele. Lá vem ele. Ele não é um pão?! – Disse uma baixinha de cabelos encaracolados apontando para mim.
            Do jeito que viemos entramos naquela agitação que as mesmas faziam em celebração ao gol. Pulamos e gritamos. Garrincha fez uma coreografia com pés e braços sendo seguido por algumas torcedoras. O time chegou para juntar-se conosco fazendo um amontoado de jogadores no canto esquerdo do nosso lado do campo. Do outro lado, o direito, bem como adjacente a Avenida, encontravam-se uma multidão de pessoas a assistir a essa final que se dava no principal campo do bairro. Ao voltarmos pus o braço enlaçando o pescoço de Garrincha, mais baixo do que eu, cabelos encaracolados caindo no ombro, um pouco forte e andar cambaleante, dribles desconcertantes e gingados que lembram o jogador cujo nome deriva seu apelido. Um dos meus melhores amigos. Sem percebermos, o zagueiro adversário apareceu detrás de nós e passou próximo tentando esbarrar seu corpo no nosso.
            - Você é um palhaço. Tá pensando que nos irrita com aquela dancinha?!
            - Já se irritaram. – Disse Fábio próximo.
            - Cala boca, Fábio. – Falei.
            Puxei Garrincha para o centro do campo com mais rapidez e pedi para não se importar. O provocador ficou olhando com cara de poucos amigos e o jogo recomeçou. A posse de bola estava com o time do Malvinas que cadenciava o jogo em seu território. Gladson, nosso lateral direito aproximou-se e me alertou:
            - Puxa a orelha de Garrincha. Tú sabe como ele é. E Paulinho Cabeça-Quente não é flor que se cheire.
            - Quem?!
            - O cara que falou com vocês.
            Confirmei com a cabeça e fui dar o combate no meia-esquerda que passava com a bola ao nosso lado. Levei um drible olhando para Buba que percebeu o avanço dele, deu o bote com precisão e tomou a bola tocando para mim, deixei-a tocar na parte interna do meu pé passando-a por baixo de minhas pernas, virei dando de cara com um marcador. Toquei de lado e corri em busca da redonda deslizante no curto gramado central do campo, percebi Fábio correndo em sua velocidade flutuante no solo barrento da lateral direita e planejei a jogada com todo carinho. Olhei para a bola, mais próxima agora, de três dedos será melhor, pois encontraria nosso velocista empolgado com mais efeito, mas senti uma pancada forte em meu tornozelo. Caí descontrolado no chão duro, ao fim do pequeno gramado, onde se encontrava uma concentração de silte mais compactada. Rolei três vezes notando uma dor em meu cotovelo, no joelho e no local da pancada. Minhas roupas sujando-se, a poeira a me cobrir e uma cólera subindo dentro do meu peito. Sem me importar com as dores levantei ouvindo o apito do juiz a marcar a falta e encarei meu algoz, ele fez o mesmo mostrando seus peitos e encostando seu rosto próximo ao meu.
            - Vai encarar! Tá pensando que eu tenho medo?!
            - Entra devagar, mermão! Vocês estão querendo briga? Se for para brigar nós vamos brigar. Se for para jogar nós jogaremos. Vocês decidem.
            Com uma fisionomia bastante séria não afastei meu rosto do dele até chegar a turma do deixa disso.
            - Vamos parar com isso! – Disse o árbitro – Vocês querem um vermelho?!... Ein!
            Toquei de lado para o mudinho, o volante que me ajuda na armação de jogo. Forte, cabelos enrolados, um metro e oitenta de altura e olhos verdes. Um vigor físico de dar inveja, tanto volta para marcar ao lado de Buba como arma jogadas junto comigo, acho que temos muita sorte de tê-lo em nosso time. Passei a mão no joelho e vi um pouco de sangue, mas não sentia mais dor, talvez pela adrenalina. Percebi Pelezinho, nosso ponteiro esquerdo perder a bola para o lateral deles. Rodeei o olhar a procura de Buba achando-o do lado direito. Léo, nosso lateral esquerdo, encontrava-se sozinho para marcar dois malvinenses que corriam em sua direção. Sobrou para mim. Não contei conversa e corri na marcação de um tentando dar o bote sem sucesso, não sou um bom defensor, nosso lateral tomou a frente dando um leve toque na bola fazendo seu detentor perder o controle da mesma, rapidamente tocou de lado e correu por trás de Léo, acompanhei percebendo a jogada e antecipei o toque do segundo jogador para ele, esbarramos caindo fora de campo. Ao levantar-me vi uma garota que me tomou toda a atenção da jogada seguinte. Uma magra, alta, olhos grandes, cabelos pretos e lisos descendo pelas costas, encontrava-se por detrás das meninas da algazarra do gol. Encarei recebendo a mesma ação dela cuja sustentou até eu desviar e entrar em campo retornando às atenções para a partida.
            -Também percebi. É linda. – Disse Tuta, meu primo e zagueiro central do time quando a bola se perdeu pela linha de fundo para tiro de meta. Porte físico compatível com o meu, da mesma altura, cabelos curtos e lisos, olhos bem azuis.
            - Se interessou? – Perguntei.
            - Não.
            - Vou namorar com ela.
            - Você e sua presunção.
            Corri para o meio de campo com um leve sorriso e vi Fábio em disparada com a bola, sendo marcado pelo lateral esquerdo malvinense. Parece uma jogada boa. Apressei o passo me aproximando da grande área, a bola sobrevoou as cabeças defensivas e ofensivas que ali se encontravam e uma mão enluvada deu um tapa nela fazendo-a vir para meu lado, preparei o chute de primeira, mas antes disso um vulto passou na minha frente dominando no peito o objeto de meu desejo. Foi o meia direita deles cujo deu uma pancada nela para frente e correr com uma velocidade forte o bastante para fazer com que eu não conseguisse recuperar a jogada. Um drible da vaca em Buba fez com que restasse apenas Tuta e nosso goleiro, Adriano. Ao lado o centroavante acompanhava a maratona suplicando o passe para seu companheiro. Inteligentemente o meia prosseguiu o bastante em prol de o nosso zagueiro aproximar-se o necessário e evitar a interceptação da jogada. Soltou a menina de nossos desejos redondinha nos pés do desesperado atacante cujo ficou sozinho com Adriano... Caixa!
            - Não pode ser! – Lamentou Garrincha.
            De chapa, o centroavante meteu no canto tirando do goleiro e correu para o abraço. 1 a 1. Cirilo ficara parado com o braço direito sobre o peito e o esquerdo apoiado coçando o queixo, nosso treinador é sereno nessas horas. Fui bater o centro para recomeçar o jogo vendo o desanimo aflorar de repente no rosto dos jogadores do nosso time, fato consumado por todo o restante do primeiro tempo quando não conseguimos mais emplacar todo aquele bom futebol de antes do gol. O juiz encerra sem nenhum acréscimo apontando o intervalo de quinze minutos dirigindo-se para a tenda improvisada dos organizadores da competição. Seguimos na direção oposta para encontrarmos o local onde deixamos nosso material, um pé de manga alto que jogava uma sombra bem ampla próximo da trave defendida por nosso arqueiro. Cansados, mas não entregues a exaustão nossos atletas acomodaram-se procurando fugir do sol causticante dessa manhã clara de domingo. Água, laranja e melancia fez a hidratação necessária dos vários companheiros de futebol. Olhei de lado e saí rodeando todo esse pessoal, atravessei o material e desviei dalgumas matas rasteiras para evitar ser visto pelas meninas torcedoras. Aproximei por detrás da magra alta e me pus ao seu lado.
            - Está gostando do jogo? – Falei e ela tomou um pequeno susto percebendo minha presença. Sorriu e respondeu.
            - Estou aqui pela folia. Não entendo nada de futebol.
            - Por opção ou oportunidade de aprender? – Perguntei observando seus olhos castanhos.
            - Meu ciclo de amizades não me dá opção. – Disse-me ela voltando seu rosto para os jogadores reservas dentro de campo que dominavam uma bola.
            - É oportuno saber.
            - Não vejo objetivo para tal. – Indagou.
            - Quando vier assistir aos nossos próximos jogos não vai ficar tão perdida em nossos atos lá dentro. – Falei apontando o campo com a cabeça.
            - Não encontro motivo para voltar.
            - Só o fato de entender de tal esporte já o encontra.
            - Talvez. – Disse ela num sorriso que soou em minha opinião como uma oportunidade de seguir com meu objetivo.
            - Se o professor for digno de sua aluna?
            - Fala de você? – Perguntou ela.
            - Claro.
            - Quem sabe? – Indagou com outro sorriso mais cativante que o outro.
            - Vou tomar essa resposta como um sim. Até mesmo por que veio acompanhada do mais belo sorriso que já vi.
            - Além de professor, galanteador.
            - Hoje às oito da noite, na Praça Presidente Médici, teremos nossa primeira aula. Até mais tarde, tenho que ir, o jogo vai recomeçar. Aliás, qual o seu nome?
            - Marta.
            - Henrique. Tchau.
            Corri para dentro do campo aproximando-me do pequeno grupo formado na meia lua. Adriano, Garrincha, Fábio, Gladson e Tuta. A fala foi do primeiro:
            - Você não tem jeito, Henrique.
            - Fiz nada.
            - Se eu te conheço bem – Indagou Fábio – Tu já marcou um encontro com ela.
            Sorri e saí em direção ao centro do campo. Garrincha me acompanhou deixando a turma da defesa onde estava. Fábio tomou o rumo da sua ponta direita apontando para mim com seu jeito brincalhão afirmando:
            - Foi sim. Olha a cara dele.
            Garrincha recebeu a bola ajeitando no ponto inicial da partida, pôs um olhar curioso para meu lado como se cobrasse resposta. Pisei a bola e falei:
            - Hoje à noite na praça. – Arrastei o pé fazendo a redonda dirigir-se para seu lado recebendo um sorriso com um balançado de cabeça numa negativa simpática de um amigo que recebia uma notícia irônica. Tocou mais atrás e correu para a grande área adversária.

Aline
            Nem terminei de pentear o cabelo direito e Helena entra no quarto me apressando, se senta na minha cama e puxa meu diário rosa de cima do travesseiro, folheia algumas páginas e para no dia de ontem. Sempre curiosa! Encaro-a com ar de desagrado, mas só para fazer charminho, não tenho segredos com ela. Toda vez que a vejo sinto inveja de seus olhos, bem verdinhos. Acho o máximo. Ela é bem bonita. E convencida também. Cabelos lisos, loiros e caindo nos ombros. Sua pele é branca, seu nariz afilado, sua boca têm lábios finos e seu corpo é magro.
            -Fred já começou os preparativos para a quadrilha junina. - Disse ela ainda com os olhos no meu diário. Continuei calada. Não queria falar disso. - Ele mandou chamar agente, mulher. Quer conversar conosco.
            Continuei calada, não queria dizer a Helena a minha pouca vontade de participar este ano. Estava descontente com a quadrilha desde o ano passado. Gosto de participar, mas de um tempo para cá essa vontade foi acabando. Sei não, talvez isso tenha a ver com o fato de termos crescido. Participamos dela desde que éramos criança. Ou talvez tenha a ver com as coreografias que não mudam.
-Toda vez que falo na quadrilha você fica desconfiada. Me fala o que está havendo. – Disse ela na mesma hora em que a campainha toca.
-Tenho pensado no assunto, Helena. – Abri a gaveta e tirei o prendedor de cabelos rosa da Minnie mochila – Dependendo da conversa que teremos com Fred eu decido se vou participar.
-Se você não for eu também não vou.
-Festa no Grupinho Escolar.
Disse Simone aparecendo de repente no quarto dando um susto em nós duas, derrubei a escova no chão e quase derramei o perfume francês que ganhei de presente. Olhei para ela chateada, mas sorri vendo o rosto corado dessa morena estabanada, seus cabelos encaracolados pareciam que estavam mais brilhantes hoje. Tenho a impressão de que toda vez que ela está empolgada com alguma coisa seus cachos brilham mais.
-Não vamos. – Falei decidida apanhando a escova e ajeitando o perfume na cômoda.
-Ah! Mulher. Por que não? – Perguntou Simone.
-Você sabe como vai ser a entrada? – Perguntou Helena para ela.
-Como?
-Mulher não paga. – Respondi.
-E não é melhor. – Indagou Simone sorrindo. – Vamos entrar de graça.
-Claro que não, Mone. – Falei – Principalmente para você que adora namorar. Duvido que arranje um numa festa cheia de garotas.
-Tem razão. – Rendeu-se ela entristecendo.
-Nesse sábado da festa, vamos assistir Ghost em minha casa. Só nós três. Seção cinema. – Disse Helena enquanto eu puxava a caixinha dos brincos da terceira gaveta.
-Mas num já assistimos?
-Não canso de ver. – Falei trocando o brinco de argolas pelo da Minnie.
-É! Então vamos assistir Ghost, do outro lado da vida.
-Mas não se preocupe. – Disse Helena levantando-se da minha cama. – A festa da Sab do Cruzeiro promete. Aniversário do avô de Lígia.
-E você sabe como são as festas que ele faz. – Falei.
-Ele cobra entrada em seu próprio aniversário! – Indagou Simone.
-Mas trás banda pra tocar. Diferente das outras festas que é som de fita cassete e disco vinil.
-É verdade. – Concordou a morena. – E festas na Sab do Cruzeiro são sempre boas.
-E por falar no aniversário do avô de Lígia. Já estou pronta. Vamos pra casa dela.
Lígia é nossa colega de classe, nossa escola fica bem no centro da cidade, ela mora no Cruzeiro. Vamos pegar meu livro de matemática que deixei lá.

Henrique
            Quando toquei para Garrincha iniciando o segundo tempo corri, três passos à frente recebo de volta do Mudinho que correu para o ataque, viro recebendo uma trombada de lado caindo no chão de costas.
            - Tá pensando que aqui é aquele bairrozinho do Presidente Vargas que vocês mandam e desmandam? Aqui vocês vão ter que engolir seco. – Disse o volante deles que tinha uma face branca, olhos pequenos, cabelos enrolados e curtos, meio loiros, quase da mesma altura que eu, magro com alguns músculos pequenos mostrando veias de um halterofilista raquítico. Demonstrou ousadia. Talvez seja metido a brigador.
Pus a mão no chão como apoio para levantar-me bem próximo de seus pés, levantei-me ficando frente a frente com seu rosto numa fisionomia séria encarando seus olhos. Sorri ironicamente e saí. Bati a falta errada nos pés do adversário cujo correu em direção ao seu ataque, Buba tomou a responsabilidade de recuperar à jogada para si correndo atrás dele tentando tomar a bola, quando viu que não iria conseguir pulou em suas pernas fazendo-o rolar três vezes no chão, levantou-se, passou por cima de seu braço e foi encostar-se ao lado de Tuta. O volante deles queria tomar satisfação, mas foi contido pelo meia-esquerda cujo arrumou a redonda com carinho para bater a falta. Magro e de média estatura, cabelos meio loiros.
-Quero nem ver. – Disse Garrincha. – Hélio é o melhor batedor de faltas da região.
-Ei! Respeita Henrique - disse Fábio com um leve sorriso.
-Tá bom. Depois de Henrique.
O árbitro mostra o local da barreira e Adriano ajusta um pouco mais à esquerda voltando para o centro do gol. Hélio, assim Garrincha o chamou, volta três passos largos para trás e mede a distância com os olhos até a trave, escuta o apito e corre batendo com jeito na bola fazendo-a encobrir o obstáculo humano a sua frente e tomar o rumo do ângulo esquerdo da baliza do nosso arqueiro. Tive medo de levar mais um gol, mas uma mão enluvada bastante grande tocou na bola fazendo-a se perder pela linha de fundo em escanteio.
-Tudo bem que ele é o melhor batedor de faltas da região. – Falei – Mas Adriano é o melhor goleiro.
Os dois sorriem voltando para suas posições. Olho para nosso treinador, Cirilo, tenso do lado de fora consultando seu relógio de instante em instante. Chama Lúcio para conversar, o meia-direita reserva do time, mas que também joga de ponteiro. Uma pontada no coração reflete uma pequena angústia em ser substituído nessa final.
-Pelezinho é quem vai sair, mermão. – Diz Garrincha passando por mim e apontando para lá. – Você acha que ele iria tirar o melhor jogador do time? E, ainda, numa final?!
-Não sou o melhor do time.
A saída do nosso ponteiro-direito me deixou aliviado. Não gosto desse título de melhor jogador do time. Não me acho isso. E não quero sair desse jogo, estou com muita vontade de jogá-lo como a nenhum outro até agora. Os nervos estão à flor da pele, de quase todos os jogadores. Conquistar esse título é uma façanha quase impossível, pois o Malvinas não admite que outro time o faça e para isso faz tudo para evitar que uma equipe de fora leve a taça para outro bairro, inclusive apelar para a violência numa forma de intimidar. Vejo nervosismo nos olhos de alguns jogadores deles, isso inclui o zagueiro. Talvez pelo fato de não estarmos nos entregando a essa intimidação, fato visto, por exemplo em Tuta que deu um puxão na camisa do ponteiro e encarou-o mostrando que não tinha medo deles. Buba não tirou o pé em nenhuma dividida e entrou duro em todas sempre levando a melhor. Marcos, esse sim, companheiro de zaga do meu primo, forte como ele só e num leva desaforo para casa, sempre coloca o corpo para os atacantes adversários esbarrarem. Por outro lado Fábio, brincalhão, faz a jogada e solta uma piada para seu marcador, mas Garrincha faz pior, driblador de primeira fica fazendo graça na frente deles em quase todas as jogadas.
Como sei que isso, uma hora não vai dar certo, o nervosismo e impaciência do Malvinas em não estar dominando o jogo do seu campeonato em seu próprio campo explode na hora em que nosso centroavante dá três pedaladas, pisa na bola solta um beijo irônico para o zagueiro, põe a bola por entre suas pernas se desviando para encontrá-la do outro lado. O marcador, em seu torpor de fúria vira-se e mira sua perna num chute que acerta sua panturrilha fazendo-o desequilibrar e cair. Percebendo, como uma premonição, o que ia acontecer ao ver Garrincha cair com a mão apoiada no chão enchendo-a de areia e ajeitando-se para levantar-se, corri para seu lado. Por outro lado o zagueiro caminha para seu encontro com a expressão de um touro querendo atingir seu domador-provocador. Nosso centroavante levanta-se jogando a porção de areia no olho dele que baixou a cabeça com as mãos no rosto tentando limpá-la, deu um pulo e acertou uma pesada em seu peito fazendo o zagueiro grandalhão cair no chão de costas. Foi o estopim para a confusão.
O volante deles, que estava ao lado, armou um soco para Garrincha tão forte que se o mesmo não tivesse se protegido com os braços teria caído desacordado. Fábio correu de sua ponta voando numa pesada que quase acerta o rosto do volante, pois ele havia se esquivado na hora em que o pé do nosso ponteiro passou tirando tinta da sua bochecha. Parti para tentar acalmar os ânimos dos meus dois amigos e escutei um grito de Marcos cujo corria como um louco bufando lá no meio de campo com os punhos fechados. Rodeei o olhar e vi a multidão que corria em nossa direção, tanto de um time quanto de outro. Puxei Garrincha na hora em que o zagueiro deles, já recuperado da pancada de areia, voava seu braço num soco fervente, Fábio agarrou o volante pelo pescoço na hora em que Lúcio leva um soco do lateral, Marcos acerta uma pesada nas costas de um que estava com as mãos armadas para lutar, Tuta chega trombando em outro que aproximava por trás de mim tentando me acertar. Garrincha se solta de minhas mãos e parte para o zagueiro da pancada, tento segurá-lo novamente, mas aparece um magro ao meu lado na metade de um soco, protejo-me devolvendo o murro em seu rosto. Rodeio o olhar mais uma vez e vejo a confusão sem controle ao meu redor, percebo a impossibilidade de paz pelos próximos minutos e entro na confusão para defender meus amigos.
O negócio era pegar os de camisa vermelha que se destacavam na poeira formada pela briga. Tuta lutava com dois, Fábio se livrava de um e dava pesada noutro sempre correndo como forma de proteção, Marcos dava uma chave de braço no centroavante sendo esmurrado nas costas pelo lateral que era magrinho e baixo, Garrincha levava um soco do zagueiro estopim da briga, Buba dava e levava socos do meia direita deles. O goleiro deles veio em minha direção bufando pelo nariz, armou um murro, me esquivei e soquei sua costela, ele caiu gemendo e pensei: esse tá fora da confusão. Empurrei o camisa sete pelas costas, pois estava mirando a nuca de Adriano que duelava com alguém de vermelho, virei e vi Fábio voando com o pé armado para dar uma pesada em minha direção. Em mim não, doido! Gritei no pensamento pondo as duas mãos no rosto. Ele passou zunindo ao meu lado acertando o volante que já vinha por trás para me pegar. Ofereci minha mão para ele apoiar-se e levantar:
-Valeu, mermão. Nem tinha visto ele.
Vi mais um vindo em nossa direção e armei um soco em seu nariz, pegou de raspão acertando parte da bochecha, no instante em que cambaleou rodou o braço e eu senti uma dor no lado da orelha próximo ao queixo, balancei para o lado sentindo meu lado esquerdo latejar. Joguei meu braço em busca do seu rosto com o punho fechado e sofri um impulso nele fazendo-o retornar, foi sua defesa que não deixou eu acertar o soco. Vi sua mão fazer o mesmo movimento que o meu e estiquei o meu braço para sentir nova pancada com o choque entre o antebraço, ele voou sua outra mão para o outro lado do meu rosto, mas defendi da mesma forma e uma sequencia de murros foi executada pelo mesmo com várias defesas minhas em sequencia, com isso ele abriu muito os braços para pôr mais força em seus golpes. Não contei conversa, na sua primeira distração rodei meu braço de baixo para cima encontrando seu queixo exposto num murro certeiro que o fez cambalear e cair. Mirei-o no chão percebendo um início de sangramento vindo de sua boca. “Mais um fora”. E saí a procura de outro.
A poeira intensificou a pouca visibilidade da confusão. Uma mancha vermelha aproximou e eu me armei, mas vi que vinha de costas defendendo-se dos vários socos de Tuta, esse mostrava o rosto roxo devido aos murros que levara. Atrás dele um pé alcançou suas costas fazendo-o cambalear para frente, trombar no seu adversário e cair juntos no chão barrento. A fúria do mesmo por ter levado esse pontapé foi descontado no pescoço do que ficara embaixo dele, senti pena do cara, pois Tuta é forte o bastante para não deixa-lo mais com forças para a luta. Por outro lado, dei uma rasteira na canela do autor do pontapé no meu primo fazendo-o cair. Pensei em chutá-lo, mas não o fiz, não gosto de covardia. Esperei ele levantar-se acertando um soco em seu rosto, cambaleou e caiu, levantou-se e acertei outro, mais uma queda e mais um soco em sua próxima elevação. Na quarta tentativa de elevar-se senti um peso nas costas e caí descontrolado em cima do mesmo, me jogou para o lado e correu. Minhas costas doíam. Virei de frente percebendo que ele tinha dado uma pesada em mim e já vinha com um chute armado em direção as minhas costelas, me joguei para o lado fazendo-o chutar a poeira. Puxei seu pé esquerdo para escutar o baque do mesmo no chão.
Tentei me levantar, mas fui puxado para o chão por ele que acertou uma tapa em meu estômago e pulou em cima de mim logo em seguida, joguei-o de lado e descontei a tapa no seu estômago, mas com a mão fechada. Busquei o lado mais baixo da barriga, pois se acertasse sua boca do estômago mandá-lo-ia para o hospital sem fôlego. Ainda deitado subiu o pé tentando acertar minha coxa com o calcanhar, afastei as pernas fazendo-o espancar o solo duro e gemer com a mão no pé. Esse não se levanta mais. Mas, por precaução, soquei sua coxa num tostão em seu músculo. Me levantei e percebi que ele estava no meio da confusão, deitado e sem condições de ficar em pé. Não. Não sou tão mau assim. Puxei-o pela gola da camisa com uma certa brutalidade e joguei-o para fora da confusão percebendo um olhar estranho dele, vi que era o goleiro do Malvinas.
Voltei para o tumulto me jogando em cima de uma mancha vermelha. Fui jogado para trás caindo de costas. Levantaram-me pela gola com o punho em riste. Fábio que me soltou.
-Deixa pra dormir em casa, mermão. Bora pra luta.
-Dormindo, é?!
Só ele para fazer piadinhas numa hora dessas. Estava eufórico. Correu e deu mais um pulo noutro malvinense gritando com um sorriso no rosto. Joguei a perna noutro. Tuta esmurrou. Marcos agarrou dois. Garrincha levava socos. Adriano deitado com um numa briga de chão. Poeira. Pontapé. Murros. Socos. Manchas azuis. Manchas vermelhas. Sirene da polícia... Polícia?!
-Chamaram a polícia! – Gritou alguém do lado de fora da confusão.
Alguns começaram a se afastar com os punhos em riste. A poeira começou a baixar. Vi metade do meu time já no nosso campo de defesa. Menos Garrincha e o volante que trocavam insultos um de frente ao outro. Puxei nosso centroavante pelo braço e levei-o para nosso lado. As pessoas que assistiam no lado do campo agitavam-se de um lado para outro, alguns assistiam eufóricos com sorrisos, o organizador conferenciava com o juiz, Cirilo bufava vermelho próximo de onde estávamos. O carro da polícia passou devagarinho pela avenida lateral com os policiais observando o movimento, parou na tenda da organização e ficou na espreita.
Todos os jogadores estavam com algum hematoma em seu corpo, tanto do 13 de Maio como do Malvinas. Recomeçar o jogo seria difícil, mas uma decisão veio dos organizadores e nela a expulsão de Garrincha e do volante. Ninguém protestou e achou até razoável. Meia hora depois da confusão, quando todos estavam recuperados o jogo reiniciou com a bola em poder do Malvinas. Marcos queria reivindicar, pois o jogo havia parado com uma falta em nosso centroavante. Pus a mão em seu ombro e falei:
-Deixa, mermão. Vamos jogar. Somos melhores que eles.
Tudo bem quem, em minha ótica, isso poderia ser verdade, mas não seria na visão dos nossos adversários e eles ficaram tocando bola de um lado para outro achando que uma hora furariam nosso bloqueio. Quando a posse estava conosco tentávamos da mesma forma achar espaço na defesa deles, mas o ambiente não ficou tão agradável depois da confusão e o jogo ficou lento. Toques de um lado para outro sem uma jogada mais perigosa foram fazendo o tempo passar e quase no fim do jogo a redenção veio.
-Capricha Henrique. Essa é sua.
Disse Fábio entregando-me a bola quando o Mudinho recebeu a falta próxima à grande área e um pouco à esquerda. Posicionei a redonda no local indicado pelo árbitro e dei quatro passos para trás e um para o lado, mirei o terceiro homem da barreira humana e esperei o apito. Corri de encontro a bola olhando-a com desejo e bati na parte direita a meia altura com o lado interno do meu pé. Olhei a danada subir, sobrevoar as cabeças pulantes da barreira e viajar até a trave, uma mão enluvada apareceu por sobre os cabelos e olhares, pensei que ia dar tempo dela tocar na bola, mas não deu. O chuá que todos ouviram veio da redonda quando tocou na rede pela parte de dentro e foi morrer no canto da trave adocicando nossas vidas.
-Goooool! – Gritou Tuta.
Corri para o lado dos reservas e pulei em cima de Garrincha que desequilibrou caindo por cima da sacola de roupas do time. Senti os pesos por cima da gente e a vibração de alegria de todos. Quando voltamos para o campo, Cirilo já tinha feito duas alterações, pôs um zagueiro e um volante para fechar o time. Não atacamos mais e nem eles fizeram gols também. Quando o árbitro apitou encerrando a partida a euforia foi grande. A farra foi maior e não queríamos saber quem estava perto, assistindo ou criticando, queríamos era festejar. Claro. Estávamos na casa deles, teríamos que nos conter na vibração, mas isso não foi possível. Vencer o Malvinas no próprio bairro deles é uma coisa muito boa, principalmente uma final.
-É campeão, Henrique!



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