terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Paixões, Futebol e Forró



0 - CAPÍTULO ZERO

Elas

Aline sempre teve um gênio forte, jamais foi pela cabeça de ninguém. Todas as suas decisões foram com convicção. Bela, aliás, muito linda. É vaidosa, como a maioria das garotas de sua idade, tem muito ciúme dos seus cabelos castanhos claros, olhos castanhos escuros, adora pentear seus cachos brilhosos à frente do espelho, não dispensa o hidratante para manter a maciez de sua pele clara. Não se acha tão alta, apesar de sua amiga Simone insistir em dizer, um metro e setenta e dois sem salto. Magra, sempre se achou, para alívio dela mesma. Não sei por que mulher tem essa opinião de que só pode ser bonita se for magra, acho uma ideia errada. Mas Aline não quer saber disso e sempre se cuidou para se manter com essa beleza exuberante e esse corpo escultural. Helena é quem acha um desperdício tudo isso, pois Aline não quer namorar com ninguém. Despreza e despensa tudo que é pretendente que apareça. “Muito alto”. “Baixo demais”. “Feio”. “Não gosto de homens sardentos”. “Muito metido”. “Esse é pabuloso”. “Um magricela”. “Gordo”. “Você acha que eu vou namorar esse tipo de garoto?”. “Esse é bombado, deve gostar mais do seu corpo do que de garotas”. Etc, etc e etc. Não faltam argumentos para ela se livrar da pressão das amigas. Numa festa só dança forró com conhecidos, poucas vezes com alguém que não conhece. Karen, sua irmã, apelidou-a de “rainha dos foras” por sempre dar “não” para os garotos que a chamam para dançar. Saber dançar? Ora. Claro que sabe.
Simone também sabe dançar, e também adora. Não rejeita um convite de homens que a chamam para forrozar, apenas aqueles que sabem, tem pavor de garotos que não sabem dançar forró. Nas festas não para quieta e está sempre se exibindo no intuito de atrair parceiros dançadores. Essa mesma vontade é para namorar, essa sim namora muito, escolhe seus pretendentes é claro, mas não com tanta exigência. Gosta de um bom elogio, principalmente quando dirigido para seus cabelos encaracolados e grandes, sempre molhados ou com algum gel devido ao seu tipo. Sempre teve orgulho de sua pele bastante morena, não gosta muito é da sua altura, mas não é tão baixa. Sempre alegre e disposta a tudo que suas amigas inventam de fazer, aliás, Helena inventa e Aline aprova. Essa sempre foi uma característica de Helena, a criatividade em arranjar aventuras para elas, talvez venha da necessidade de ter o que fazer, é de família rica e sempre recebeu muitos cuidados quando criança, seus pais nunca a deixavam sair de casa. Vivia trancada e só foi ter alguma liberdade na adolescência quando conheceu Aline e Simone. Ao contrário dessas duas, não se preocupa tanto com os cabelos, pudera, lisos como o mais fino fio de nylon. Não gosta de dançar forró, curte um internacional romântico ou um rock anos 80, Legião Urbana, Capital Inicial e essas bandas. Vai às festas com as amigas, mas fica no seu cantinho a curtir do seu jeito. Nas domingueiras é que se esbalda, o DJ toca de tudo e ela adora quando ele põe suas músicas preferidas.
Na turma ainda tem Kelly, morena afro com um jeitão bem sério. Sempre composta, cabelos amarrados, olhos puxados, baixa. Gosta duma bronca que não tem igual, que o diga Henrique. Tem também Mirtes, irmã de Aline, que gosta de ficar no pé dela atrapalhando seus relacionamentos. Não tão bonita, cabelos encaracolados, baixa, olhos rancorosos, pele branca e nariz achatado. Sua amizade inseparável com Gorete é de dar inveja. Confidentes e conversadoras, elas gostam de falar da vida alheia, sempre nos cantos a cochicharem. Seu alvo principal é Fabrícia. Ah! Fabrícia. Olhar penetrante, corpo de violão, alta, sempre bem vestida, bem maquiada, cabelos pretos e cacheados batendo no ombro, pele bronzeada, boca carnuda, seios perfeitos. Essa tira o folego de qualquer homem e vou parar de descrevê-la para não me alterar, pois ela tem o dom da conquista. Uma boa parte dos garotos se derrete por ela. Dança um forró de primeira qualidade, se amostra que é uma beleza. Digo mais, não é toda mulher que puxa um miudinho com um vestido colado e de salto alto fino. Ah! Fabrícia! Ela é Danada.
Ainda tem algumas meninas que dançam quadrilha, são as inimigas de Aline, Helena e Simone. Sentem um pouco de inveja, talvez, e vão fazer de tudo para atrapalhar suas vidas. Principalmente na quadrilha junina. E por falar em quadrilha, todos os anos elas participam, muitas adoram, outras só vão para acompanhar as amigas. O pavilhão fica na outra rua, montado no início do ano e só desarmado depois do São João.
Pois é, essas são as meninas. Todas mais de quinze e menos de vinte anos de idade. É isso, então.

Eles
 Henrique tem um metro e setenta de altura, olhos azuis escuros, cabelos pretos e sempre cortados ao estilo militar, alguns músculos, pernas grossas devido ao esporte que pratica, pele morena clara e nariz afilado. Gosta de dançar forró e ama jogar futebol, no time joga no meio campo. É um aventureiro e sabe aproveitar a vida como ninguém. Preza por uma boa amizade. Está sempre junto dos amigos Adriano, Garrincha e Fábio. Correto com as coisas que faz, tudo bem que é capaz de fazer tudo para tanto defender seus amigos como para ter sucesso em algo. Não gosta de covardia. Namorador ao extremo, mas para ele é fácil, sempre existe uma garota apaixonada em seu encalço, Adriano o perturba com essa história: “quero ver você conquistar uma mulher que não te quer” vive dizendo, mas ele não liga. Escolhe, isso é fato, não é qualquer uma que namora e suas escolhas são as melhores aos olhos de seus amigos: “Esse cara só pega avião” Fábio que sempre diz a cada conquista do amigo. Para Henrique isso não tem importância, suas escolhas não dizem respeito à beleza exterior, não tem culpa se as garotas são “bonitas por fora e lindas por dentro”. Adoro esse comentário. Um defeito é achar que a maioria das garotas querem namorá-lo, se acha o mais bonito de todos, lógico que não se gaba disso e nem comenta, até discursa o contrário quando recebe um elogio. Apesar de dizer não se importar com mulher feia ou bonita, jamais se envolveu com uma menos provida de beleza, aos olhos dos amigos, é claro. Ainda não o vi com nenhuma. Mas isso não é mais importante do que o fato de suas conquistas serem fáceis, isso é o que Adriano diz, já conquistou garotas que não estavam nem aí para ele. A única experiência que jamais teve foi com uma mulher de gênio forte, convicta com suas atitudes. Por isso ele ainda não passou. Ainda!
Adriano é o dançador da turma. Cabelos encaracolados e curto, mas com um topete que esconde metade da testa. Alto e forte, pele morena e rosto afilado. É o goleiro do time, dos bons. Animador dos amigos quando o negócio é ir para um show de forró, por sinal, tem uma qualidade na dança de dar inveja, conhece coreografias jamais vista, Garrincha diz que é ele quem inventa os passes. Igualmente namorador como o amigo, a diferença é que o critério para sua seleção é saber dançar, não liga se é feia, bonita, magra, fofinha, baixa ou alta, se souber dançar já namora. Isso se ela quiser, não tem a mesma sorte de Henrique, mas não acha problema nisso, pois vai para uma festa dançar forró como principal objetivo. Ele é dos garotos que se satisfaz quando vai para uma festa e não namora, mas dança muito. Diferente de Fábio, esse se não namorar não gostou da festa. Seus cabelos são lisos caídos no ombro, meio surfista, pele branca e rosto sardento. Só namora com mulher bonita. Dança, mas não acha importante. Prefere conversar com amigos e namorar mulheres, ou jogar futebol, é o lateral esquerdo do time. Tão brincalhão quanto desordeiro. Arrumador de confusão, não perde uma briga nem deixa amigo lutando sozinho, aliás, virtude dos quatro amigos. Outra peculiaridade nele é não gostar de namorar sério, duas noites no máximo.
Já Garrincha é sério, prefere um namoro longo, “amar uma garota por muito tempo”, diz sempre. Cabelos meio encaracolados e caídos no ombro, olhos verdes, pele morena clara, ombros largos, pernas tortas não defeituosas, mas parecidas com o craque de futebol que derivou o seu apelido, inclusive seu gingado. Sua altura se aproxima a de Henrique. Centroavante do time. Seu comportamento dentro de campo é totalmente ao contrário do de fora: exageradamente eufórico, altivo, provocador, alegre e arruaceiro. Mais da metade das confusões dentro de campo são causadas por ele, pudera, gosta de humilhar seus adversários com seus dribles. Ele tem um defeito grande, não gosta de driblar uma vez, sempre é duas, três ou quatro vezes. Henrique sempre questiona e o censura. Não gosta de dançar forró. Adriano acha que é um defeito, mas a preferência é dele, cada um gosta do que quiser gostar. Garrincha adora pagode, Adriano não.
Ainda tem Buba, o volante do time, Marcos, o zagueirão e Gladson o outro volante, todos eles fãs de Fabrícia. São da turma, mas não andam com os quatro que mencionei antes. Buba ainda dança um pouco, mas Marcos e Gladson são meio desengonçados para isso. Essa é a turma dos homens, não são tão comportados e existem duas frentes inimigas para enfrenta-los: os do futebol e os da quadrilha. Os adversários do futebol estão divididos em duas equipes, Malvinas e Santa cruz. Da quadrilha junina são mais uma leva de garotos apaixonados pelas meninas, pudera, elas eram sua antiga turma e o sentimento de perda desses foi refletido no rancor pelos nossos garotos.

Forró Urbanizado
O termo urbanizado foi o que achei mais apropriado para definir aquele movimento que iniciou na década de noventa, na época chamávamos de forró estilizado, ou eletrônico. Urbanizado porque Luiz Gonzaga criou o estilo para falar mais da vida rural nordestina, só no início dos anos noventa foi que Mastruz com Leite modernizou incrementando uma pegada mais urbana, adicionou a bateria e outros instrumentos não utilizados antes. Assim como o Rei do Baião tinha seguidores, Mastruz com Leite também os teve e uma leva de bandas foi surgindo com o decorrer do tempo. Com isso, esse estilo nordestino foi ganhando força e tornou-se indispensável nos quatro cantos da região, não existia festa sem uma banda de forró, só se falava nisso, nos bares, nos clubes, nas praças, nas esquinas. O dois pra lá e dois pra cá fez sucesso, todos queriam saber fazer, aprender para não dar vexame nos bailes. Dançar coladinho já não era mais coisa só de música lenta, o forró exigia isso e vinha com estilos diferentes: haviam os exibicionistas que rodavam o salão todo, os acanhados que procuravam esconder-se no meio da multidão, os namoradores que xavecavam a mulher a música inteira, as solitárias que sempre dançavam sozinhas e muitos outros. E assim, o legado de Luiz Gonzaga pôde prosseguir por mais tempo.
Paixões Futebol e Forró irá nos levar por uma viagem nesse mundo e contar a vivência dos forrozeiros nessa época, vai mostrar o lado de cá, das pessoas que iam às festas, dos que curtiam um bom forró. Vai mostrar o cotidiano dessa juventude, desses privilegiados que viveram o período onde tudo começou. O marco divisório da história de um estilo que tendia ao esquecimento.

Narrador
Serei um simples condutor dessa viagem, procurarei contar da forma mais dinâmica que puder, fatos que forem importantes para o desenrolar da história e com algumas opiniões. Mas não serei seu narrador principal, Henrique e Aline terão suas óticas como as mais importantes, eles quem são os líderes dessa aventura. A mim caberá apenas alguns momentos de ligações necessárias para que vocês não se percam. Me verão em capítulos bem peculiares, vocês saberão. Teremos conversas bem legais. Então? Vamos embarcar que a aventura nos espera.



Literatura Forrozeira

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