0 - CAPÍTULO ZERO
Elas
Aline
sempre teve um gênio forte, jamais foi pela cabeça de ninguém. Todas as suas
decisões foram com convicção. Bela, aliás, muito linda. É vaidosa, como a
maioria das garotas de sua idade, tem muito ciúme dos seus cabelos castanhos
claros, olhos castanhos escuros, adora pentear seus cachos brilhosos à frente
do espelho, não dispensa o hidratante para manter a maciez de sua pele clara.
Não se acha tão alta, apesar de sua amiga Simone insistir em dizer, um metro e
setenta e dois sem salto. Magra, sempre se achou, para alívio dela mesma. Não
sei por que mulher tem essa opinião de que só pode ser bonita se for magra,
acho uma ideia errada. Mas Aline não quer saber disso e sempre se cuidou para
se manter com essa beleza exuberante e esse corpo escultural. Helena é quem
acha um desperdício tudo isso, pois Aline não quer namorar com ninguém.
Despreza e despensa tudo que é pretendente que apareça. “Muito alto”. “Baixo
demais”. “Feio”. “Não gosto de homens sardentos”. “Muito metido”. “Esse é
pabuloso”. “Um magricela”. “Gordo”. “Você acha que eu vou namorar esse tipo de
garoto?”. “Esse é bombado, deve gostar mais do seu corpo do que de garotas”. Etc,
etc e etc. Não faltam argumentos para ela se livrar da pressão das amigas. Numa
festa só dança forró com conhecidos, poucas vezes com alguém que não conhece.
Karen, sua irmã, apelidou-a de “rainha dos foras” por sempre dar “não” para os
garotos que a chamam para dançar. Saber dançar? Ora. Claro que sabe.
Simone
também sabe dançar, e também adora. Não rejeita um convite de homens que a
chamam para forrozar, apenas aqueles que sabem, tem pavor de garotos que não
sabem dançar forró. Nas festas não para quieta e está sempre se exibindo no
intuito de atrair parceiros dançadores. Essa mesma vontade é para namorar, essa
sim namora muito, escolhe seus pretendentes é claro, mas não com tanta
exigência. Gosta de um bom elogio, principalmente quando dirigido para seus
cabelos encaracolados e grandes, sempre molhados ou com algum gel devido ao seu
tipo. Sempre teve orgulho de sua pele bastante morena, não gosta muito é da sua
altura, mas não é tão baixa. Sempre alegre e disposta a tudo que suas amigas
inventam de fazer, aliás, Helena inventa e Aline aprova. Essa sempre foi uma
característica de Helena, a criatividade em arranjar aventuras para elas, talvez
venha da necessidade de ter o que fazer, é de família rica e sempre recebeu
muitos cuidados quando criança, seus pais nunca a deixavam sair de casa. Vivia
trancada e só foi ter alguma liberdade na adolescência quando conheceu Aline e
Simone. Ao contrário dessas duas, não se preocupa tanto com os cabelos, pudera,
lisos como o mais fino fio de nylon. Não gosta de dançar forró, curte um
internacional romântico ou um rock anos 80, Legião Urbana, Capital Inicial e
essas bandas. Vai às festas com as amigas, mas fica no seu cantinho a curtir do
seu jeito. Nas domingueiras é que se esbalda, o DJ toca de tudo e ela adora
quando ele põe suas músicas preferidas.
Na
turma ainda tem Kelly, morena afro com um jeitão bem sério. Sempre composta,
cabelos amarrados, olhos puxados, baixa. Gosta duma bronca que não tem igual,
que o diga Henrique. Tem também Mirtes, irmã de Aline, que gosta de ficar no pé
dela atrapalhando seus relacionamentos. Não tão bonita, cabelos encaracolados,
baixa, olhos rancorosos, pele branca e nariz achatado. Sua amizade inseparável
com Gorete é de dar inveja. Confidentes e conversadoras, elas gostam de falar
da vida alheia, sempre nos cantos a cochicharem. Seu alvo principal é Fabrícia.
Ah! Fabrícia. Olhar penetrante, corpo de violão, alta, sempre bem vestida, bem
maquiada, cabelos pretos e cacheados batendo no ombro, pele bronzeada, boca
carnuda, seios perfeitos. Essa tira o folego de qualquer homem e vou parar de
descrevê-la para não me alterar, pois ela tem o dom da conquista. Uma boa parte
dos garotos se derrete por ela. Dança um forró de primeira qualidade, se
amostra que é uma beleza. Digo mais, não é toda mulher que puxa um miudinho com
um vestido colado e de salto alto fino. Ah! Fabrícia! Ela é Danada.
Ainda
tem algumas meninas que dançam quadrilha, são as inimigas de Aline, Helena e
Simone. Sentem um pouco de inveja, talvez, e vão fazer de tudo para atrapalhar
suas vidas. Principalmente na quadrilha junina. E por falar em quadrilha, todos
os anos elas participam, muitas adoram, outras só vão para acompanhar as
amigas. O pavilhão fica na outra rua, montado no início do ano e só desarmado
depois do São João.
Pois
é, essas são as meninas. Todas mais de quinze e menos de vinte anos de idade. É
isso, então.
Eles
Henrique tem um metro e setenta de altura,
olhos azuis escuros, cabelos pretos e sempre cortados ao estilo militar, alguns
músculos, pernas grossas devido ao esporte que pratica, pele morena clara e nariz
afilado. Gosta de dançar forró e ama jogar futebol, no time joga no meio campo.
É um aventureiro e sabe aproveitar a vida como ninguém. Preza por uma boa
amizade. Está sempre junto dos amigos Adriano, Garrincha e Fábio. Correto com
as coisas que faz, tudo bem que é capaz de fazer tudo para tanto defender seus
amigos como para ter sucesso em algo. Não gosta de covardia. Namorador ao
extremo, mas para ele é fácil, sempre existe uma garota apaixonada em seu
encalço, Adriano o perturba com essa história: “quero ver você conquistar uma
mulher que não te quer” vive dizendo, mas ele não liga. Escolhe, isso é fato,
não é qualquer uma que namora e suas escolhas são as melhores aos olhos de seus
amigos: “Esse cara só pega avião” Fábio que sempre diz a cada conquista do
amigo. Para Henrique isso não tem importância, suas escolhas não dizem respeito
à beleza exterior, não tem culpa se as garotas são “bonitas por fora e lindas
por dentro”. Adoro esse comentário. Um defeito é achar que a maioria das
garotas querem namorá-lo, se acha o mais bonito de todos, lógico que não se
gaba disso e nem comenta, até discursa o contrário quando recebe um elogio.
Apesar de dizer não se importar com mulher feia ou bonita, jamais se envolveu
com uma menos provida de beleza, aos olhos dos amigos, é claro. Ainda não o vi
com nenhuma. Mas isso não é mais importante do que o fato de suas conquistas
serem fáceis, isso é o que Adriano diz, já conquistou garotas que não estavam
nem aí para ele. A única experiência que jamais teve foi com uma mulher de
gênio forte, convicta com suas atitudes. Por isso ele ainda não passou. Ainda!
Adriano
é o dançador da turma. Cabelos encaracolados e curto, mas com um topete que
esconde metade da testa. Alto e forte, pele morena e rosto afilado. É o goleiro
do time, dos bons. Animador dos amigos quando o negócio é ir para um show de
forró, por sinal, tem uma qualidade na dança de dar inveja, conhece
coreografias jamais vista, Garrincha diz que é ele quem inventa os passes.
Igualmente namorador como o amigo, a diferença é que o critério para sua
seleção é saber dançar, não liga se é feia, bonita, magra, fofinha, baixa ou
alta, se souber dançar já namora. Isso se ela quiser, não tem a mesma sorte de
Henrique, mas não acha problema nisso, pois vai para uma festa dançar forró
como principal objetivo. Ele é dos garotos que se satisfaz quando vai para uma
festa e não namora, mas dança muito. Diferente de Fábio, esse se não namorar
não gostou da festa. Seus cabelos são lisos caídos no ombro, meio surfista,
pele branca e rosto sardento. Só namora com mulher bonita. Dança, mas não acha
importante. Prefere conversar com amigos e namorar mulheres, ou jogar futebol,
é o lateral esquerdo do time. Tão brincalhão quanto desordeiro. Arrumador de
confusão, não perde uma briga nem deixa amigo lutando sozinho, aliás, virtude
dos quatro amigos. Outra peculiaridade nele é não gostar de namorar sério, duas
noites no máximo.
Já
Garrincha é sério, prefere um namoro longo, “amar uma garota por muito tempo”,
diz sempre. Cabelos meio encaracolados e caídos no ombro, olhos verdes, pele
morena clara, ombros largos, pernas tortas não defeituosas, mas parecidas com o
craque de futebol que derivou o seu apelido, inclusive seu gingado. Sua altura
se aproxima a de Henrique. Centroavante do time. Seu comportamento dentro de
campo é totalmente ao contrário do de fora: exageradamente eufórico, altivo,
provocador, alegre e arruaceiro. Mais da metade das confusões dentro de campo
são causadas por ele, pudera, gosta de humilhar seus adversários com seus
dribles. Ele tem um defeito grande, não gosta de driblar uma vez, sempre é
duas, três ou quatro vezes. Henrique sempre questiona e o censura. Não gosta de
dançar forró. Adriano acha que é um defeito, mas a preferência é dele, cada um
gosta do que quiser gostar. Garrincha adora pagode, Adriano não.
Ainda
tem Buba, o volante do time, Marcos, o zagueirão e Gladson o outro volante,
todos eles fãs de Fabrícia. São da turma, mas não andam com os quatro que
mencionei antes. Buba ainda dança um pouco, mas Marcos e Gladson são meio
desengonçados para isso. Essa é a turma dos homens, não são tão comportados e
existem duas frentes inimigas para enfrenta-los: os do futebol e os da
quadrilha. Os adversários do futebol estão divididos em duas equipes, Malvinas
e Santa cruz. Da quadrilha junina são mais uma leva de garotos apaixonados
pelas meninas, pudera, elas eram sua antiga turma e o sentimento de perda
desses foi refletido no rancor pelos nossos garotos.
Forró Urbanizado
O
termo urbanizado foi o que achei mais apropriado para definir aquele movimento
que iniciou na década de noventa, na época chamávamos de forró estilizado, ou
eletrônico. Urbanizado porque Luiz Gonzaga criou o estilo para falar mais da
vida rural nordestina, só no início dos anos noventa foi que Mastruz com Leite
modernizou incrementando uma pegada mais urbana, adicionou a bateria e outros
instrumentos não utilizados antes. Assim como o Rei do Baião tinha seguidores,
Mastruz com Leite também os teve e uma leva de bandas foi surgindo com o
decorrer do tempo. Com isso, esse estilo nordestino foi ganhando força e
tornou-se indispensável nos quatro cantos da região, não existia festa sem uma
banda de forró, só se falava nisso, nos bares, nos clubes, nas praças, nas
esquinas. O dois pra lá e dois pra cá fez sucesso, todos queriam saber fazer,
aprender para não dar vexame nos bailes. Dançar coladinho já não era mais coisa
só de música lenta, o forró exigia isso e vinha com estilos diferentes: haviam
os exibicionistas que rodavam o salão todo, os acanhados que procuravam
esconder-se no meio da multidão, os namoradores que xavecavam a mulher a música
inteira, as solitárias que sempre dançavam sozinhas e muitos outros. E assim, o
legado de Luiz Gonzaga pôde prosseguir por mais tempo.
Paixões
Futebol e Forró irá nos levar por uma viagem nesse mundo e contar a vivência
dos forrozeiros nessa época, vai mostrar o lado de cá, das pessoas que iam às
festas, dos que curtiam um bom forró. Vai mostrar o cotidiano dessa juventude,
desses privilegiados que viveram o período onde tudo começou. O marco divisório
da história de um estilo que tendia ao esquecimento.
Narrador
Serei
um simples condutor dessa viagem, procurarei contar da forma mais dinâmica que
puder, fatos que forem importantes para o desenrolar da história e com algumas
opiniões. Mas não serei seu narrador principal, Henrique e Aline terão suas
óticas como as mais importantes, eles quem são os líderes dessa aventura. A mim
caberá apenas alguns momentos de ligações necessárias para que vocês não se
percam. Me verão em capítulos bem peculiares, vocês saberão. Teremos conversas
bem legais. Então? Vamos embarcar que a aventura nos espera.
Literatura Forrozeira